terça-feira, 26 de julho de 2011

ENCANTOS & TABUS

Charutos, desde o início, sempre tiveram defensores e adversários. São polêmicos em sua essência. Para uns inspiram momentos prazerosos, para outros nem tanto.

Cada charuto, a depender da sua origem, tem um sabor diferente. Para mim os charutos baianos das linhas nobres, são os que mais me satisfazem. Não se trata de uma questão de fama. Trata-se de gosto pessoal, de reconhecimento e de valorização daquilo que é brasileiro, que é nosso.

No que toca à forma de consumi-los há dezenas de publicações e artigos. Todos versando na mesma cartilha. Quase dogmatizando.

Como soe acontecer com tudo na vida, há, de fato, algumas orientações a serem seguidas. Mas também é verdade, também, que há várias questões passíveis de discussão e contestação. Não há regras absolutas.

O consumidor consciente é o supremo senhor da sua vontade e cabe a ele decidir o que fazer com o produto adquirido. Basta que saiba acender o seu charuto. Daí em frente, asas para a imaginação.

Ao longo de minha vida labutando com charutos, escrevendo, lendo, pesquisando, sempre com eles ao lado, tenho me deparado com algumas pérolas oriundas, penso, do intento em agregar valor e sofisticar um ato simples. Fumar um charuto, nada mais que um charuto.

Eu mesmo – reconheço – por muitos anos fiquei atrelado à ortodoxia charuteira.

Querem ver? Leiam o que escrevi em julho de 1984 na lista preços da MENENDEZ & AMERINO. Estava querendo ensinar Pai Nosso ao vigário.

Como todas as coisas boas da vida, fumar charutos é uma arte que os apreciadores preservam com carinho e curtem com prazer.

O ritual inicia na escolha do charuto a ser fumado havendo antes, se aspirado o inconfundível aroma da combinação cedro-tabaco da caixa. A textura e a cor da “capa”, a disposição das veias, os detalhes construtivos, são fatores que ensejam os primeiros prazeres.

A seguir, o apalpar sentindo a maciez e o condicionamento, chegando-se ao ato subseqüente do corte para permitir a aspiração. Uns o preferem em forma de bisel; outros optam pelo corte redondo. Na falta de um instrumento apropriado os mais hábeis valem-se, com elegância, das unhas ou mesmo dos dentes.

Desaconselha-se a introdução de estilete ou palito, pois poderá promover um turbilhão de fumaça no interior do charuto, ocasionando condensações indesejáveis. Agora, dois cuidados: não acender o charuto na ponta errada e assegurar-se que as mãos estejam isentas de perfumes, pois o tabaco absorve-os com facilidade, o que poderá comprometer o paladar. O fogo pode ser da chama de um fósforo mantida próxima à ponta. Durante esta operação pequenas aspirações são efetuadas e, com auxílio de uma das mãos, consegue-se dar voltas ao charuto na boca, conferindo uniformidade à queima inicial. Isqueiros a gás permitem bom acendimento, embora fumadores mais ortodoxos os repudiem. Isqueiros de fluídos não devem ser usados. Aprecia-se também dar lume a uma lasca de laminado de cedro, e desta, transmitir-se o fogo ao charuto.

Prossegue então o prazer que requer calma e longo aprendizado. As características das cinzas estão ligadas aos fumos. Há cinzas alvas, densas, uniformes, compactas. Outras há escuras, plúmbeas, quase negras. Umas e outras poderão apresentar pequenos pontos em relevo. São as “carrosquilhas” que poderão ser pretas ou brancas, abertas ou fechadas. Os iniciados sabem apreciá-las, pois atestam fumos de nobres procedências e apurado paladar.

A manutenção da cinza durante a queima é um costume do passado. Os charutos fabricados com folhas inteiras, devido à estrutura das veias, permitem permanência da cinza, ao contrário dos charuto de fumo picado. Os nobres de então, faziam alarde de seu status equilibrando a cinza. Esta tradição consolidou-se de forma particularmente elegante, mas recomendando-se sempre um cinzeiro apropriado por perto.

É praxe não se tragar um charuto, embora haja quem o faça. É preciso saber deixar a fumaça permanecer na boca, degustando e espirando-a vagarosamente, sentindo toda a doçura característica dos bons tabacos. As aspirações devem ser tranqüilas e espaçadas, fumando-se cerca de três quartas partes do charuto.

Quanto à combustibilidade a mesma deve-se em muito à variedade dos fumos utilizados. Os tabacos cubanos, em geral, não têm boa combustibilidade, exigindo dos fumadores paciência para reacendê-los duas ou até mais vezes. Já os fumos da Bahia queimam de forma excelente e uniforme.

Por fim a pedra de toque do prazer de saborear um charuto: saber depô-lo no cinzeiro, para que por si mesmo se extinga.Gestos nervosos de esmagá-lo não se aprestam a uma arte que requer paciência, tranqüilidade, habilidade e sensibilidade para apreciar que, atrás de cada charuto, se esconde um mundo de perfeccionismo artesanal e secular.

Outros ritos também se incorporam ao Prazer e à Arte de Fumar. Uns umedecem os charutos, ensalivando-os, antes de acendê-los; outros os imergem em determinadas bebidas. Costumes aceitáveis que podem, porém, ser dispensados. Afinal, se o charuto estiver em sua perfeita condição terá o grau de umidade adequado e, por outro lado, imergi-lo em beberagens poderá comprometer o sabor pesquisado pelo fabricante. Pode-se usar uma piteira? A resposta é simples. Bebe-se vinho com canudinho? E qual o procedimento quanto ao anel do charuto? Os anéis surgiram para impedir que as “capas” desenrolassem e, por isso, eram mantidos. Agora, muitos fumadores logo os retiram. A maioria, porém curte o anel durante o ato de fumar retirando-o próximo do final, com cuidado, para não danificar a “capa”, integrando o gesto ao desfrute global.

E quais os melhores charutos? De logo se pensa “os cubanos, é claro”. É certo que estes gozam de um largo prestígio nascido da sua própria origem insular. Hoje, porém os “puros” brasileiros competem com as mais famosas marcas mundiais. Solos próprios, sementes geneticamente climatizadas, avançadas técnicas de cultivo, obediência aos tradicionais processos de fermentação e classificação dos tabacos, colocam ao alcance do nosso público charutos de padrão internacional, elaborados com a mais rigorosa técnica artesanal.

Conversemos sobre alguns de tais paradigmas.

DA FORMA DE EMPUNHAR OS CHARUTOS

Entre os preciosismos, uns há dignos de nota. O Boletim Suerdieck, Nº 6, março, 1950, chegou a ponto de, literalmente, definir o caráter do fumador de charutos, através da maneira pela qual o segura nas mãos. Esquematizando doze distintas formas, concebe o falador, o filósofo, o espirituoso, o enérgico, o cético, o exaltado, o sentimental, o violento, o nobre, o cismado, o egoísta e o sovina. Valei-me meus orixás!
Para mim todas as formas de segurar um charuto são válidas. Inclusive a tradicionalmente estatuída para os cigarros, empunhado em meio aos dedos indicador e médio distendidos. É fato que não é lá muito confortável. Mas nada impede que assim seja.

DA IMERSÃO DO BICO DOS CHARUTOS EM BEBIDAS

Determinada ocasião, escrevendo sobre ritos pessoais (CATÁLOGO MENENDEZ & AMERINO, 1984) condenei o costume de alguns fumadores de imergir o charuto em beberagens. Pretextava, dizendo que tal costume iria “comprometer o sabor pesquisado pelos fabricantes”.

Hoje me questiono. E se o fumador aprecia justamente a combinação do sabor do seu charuto com o sabor da sua bebida predileta? Algo de errado? Absolutamente não.

DO HÁBITO DE MASCAR OS CHARUTOS

Outra feita me flagrei mascando a ponta do meu charuto. Havendo aprendido que a forma propagada como correta é “fumar seco”, ou seja, impedindo que a umidade da boca se transponha ao charuto, fiquei surpreso comigo mesmo.

Estava fumando à maneira muito apreciada por norte-americanos. Houvera sentado à mesa de um bar, ouvindo um samba de breque, num desses feriados da vida, e o charuto se consumira em boa parte, com o bico babado e prensado pelos dentes.

Que coisa horrível – matutei - estou indo de encontro a tudo quanto me ensinaram.

Foi quando, mentalmente, acessei uma de minhas antigas crônicas na qual tratei das portas de entrada do prazer. Ora bolas! Se, ter prazer é dar satisfação aos sentidos, nada de errado. Eu estava com meus sentidos plenamente satisfeitos mascando a ponta do meu puro. Deixei de lado as autopunições e continuei desfrutando aquele especial momento.

Por isso agora, quando vejo alguém imergindo a ponta do seu charuto num cálice de licor; alguém tentando captar o aroma de um charuto sem o ter retirado da bolsa de celofane ou, mais, quando alguém o espreme junto ao ouvido, em busca de alguns estalidos, ou ainda, quando alguém em vez de usar a guilhotina, corta a ponta do charuto com as unhas ou com os dentes, e sei mais lá o quê, me dou conta que todos estão certos.

Errado estava eu, quando houvera me censurado por haver mascado meu charuto.

DO TRAVAMENTO – CHARUTOS ENTUPIDOS

Outra questão alvo de reclamações pelos apreciadores de charutos é a dificuldade encontrada para aspiração, em alguns casos. São os tais charutos “travados”.

Entende-se que, quanto menor for o diâmetro, maior o risco de nos depararmos com o problema. Por isso a maioria dos fumadores opta pela bitolas de maior diâmetro. Aliás, há ainda outra razão para tal preferência, dado importante: a temperatura da fumaça. Sendo ela inversamente proporcional ao diâmetro, quanto maior este, menor será a temperatura do fumo aspirado.

Por força de minha vida em fumar charutos, conclui que a bitola Robustos e outras de maior diâmetro, são as de menor incidência do problema do travamento. O qual, quando aparece, não tem solução. Nada adianta apertá-lo, espremê-lo de cima abaixo, tentando afrouxar sua estrutura ou xingar o fabricante. Pegar outro charuto e despedir-se do malfadado é a única solução.

Controlar a produção para evitar o entupimento tem sido um dos desafios para os fabricantes. Os norte-americanos inventaram uma máquina para controlar o fluxo. Cuba, que antes da Revolução não usava moldes para formatar os charutos, passou também a usar tal máquina a partir de então. Quem nunca encontrou um charuto cubano “travado”, que atire a primeira pedra.

No Brasil a precursora no uso de tal equipamento foi a LECIGAR, no final dos anos 90. Embora a SUERDIECK e a MENENDEZ & AMERINO nunca o tenham adotado, no início dos anos 2000, virou modismo.

A máquina não garante a eliminação do problema do “travamento” por uma razão simples, fácil de ser entendida. Pode-se medir o fluxo de um cigarro, mas não se pode medir o fluxo de um charuto pronto, quando seu bico está fechado. Então, o que se faz tem sido testar o fluxo dos dos charutos semi-acabados, antes de receberem a capa. Mas isto, na prática, não garantirá o perfeito fluxo final.

Mesmo quando o teste mecânico “aprove” o produto, não esqueçamos que o charuto irá, após, ser capeado. As capas, por sua vez, para serem processadas, devem estar umedecidas. Até aí tudo bem.

Recordemos, agora, antigo martírio, o garrote. Uma tira de couro molhado, amarrada pelo algoz, no pescoço da vítima. O couro secava, encolhia e acabava por matar, por asfixia, o supliciado. Pois com as capas dos charutos, especialmente as das variedades mais encorpadas, pode acontecer o mesmo. Quando secam, tendem a comprimir o corpo do charuto.

A verdadeira causa da dificuldade de aspiração resulta do uso dos moldes, sempre que o tirulo esteja com um peso acima do respectivo padrão. É claro que o uso de moldes e a posterior prensagem têm suas compensações. Uniformizam os diâmetros aumentando a beleza dos charutos.

Portanto, o que resolve mesmo é acompanhar-se, por amostragem, os pesos dos tirulos, charuteira por charuteira, bitola por bitola, hora a hora. Etapa importantíssima do controle de qualidade.

Aqui vai um esclarecimento. Por força de minha formação, costumo chamar tirulo ao charuto semi-acabado (os fumos da alma do charuto, envoltos pela sub-capa, também dita capote).

Outros há que preferem a expressão norte-americana bunch. E, curiosidade, na velha SUERDIECK, usava-se a denominação capote, tanto para o tabaco da sub-capa, quanto para o tirulo, propriamente dito.

DA ALMA DOS CHARUTOS

A alma dos charutos, aquilo que chamamos bucha, enchimento, torcida, miolo ou filler, pode ser feita com folhas de tabaco inteiras ou com fumo recortado.

Classificam-se assim, respectivamente, em long-fillers ou de torcida inteira e em short-fillers ou de torcida miúda.

Não há dúvida que, na época áurea do consumo, quando eram consumidos por todas as categorias sociais, os charutos produzidos com torcida miúda, de menor custo e, pois, de preço mais acessível, reinavam absolutos, em termos quantitativos.

Sabe-se que nas grandes fábricas baianas do século 20, significativa parte da produção – algo ao redor de 90% - era centrada em produtos short-fillers.

Aos fabricantes então, não convinha falar sobre o tema. A distinção era puramente técnica, ficando quase restrita aos umbrais das fábricas. Nada a respeito constava em catálogos e demais informativos.

No mercado brasileiro as coisas começaram a mudar com o advento da fábrica MENENDEZ & AMERINO.

Recorrendo a um apelo mercadológico, ao se lançar no mercado, a empresa propagava, entre outros argumentos diferenciais, que seus produtos eram todos long-fillers e, por isso, “melhores”. Habilmente associava qualidade à forma construtiva da bucha e também contribuía para um maior conhecimento dos produtos, por parte dos consumidores. Em poucos anos, os demais fabricantes baianos incorporaram a terminologia nas suas relações com os consumidores.

DAS CINZAS – TAMANHO SERÁ DOCUMENTO?

Imagine alguém fumando um cigarro. Conseguirá manter a cinza por largo período?

É descuidar-se e a cinza despenca. Encrenca certa. Um fumante de cigarros deve ter sempre com um cinzeiro ao lado.

A razão é simples. Sendo os cigarros produzidos com fumos desfiados, a capacidade de aglutinação dos mesmos, após a queima, é praticamente nula. Por isso, seus fumantes estão sempre “batendo a cinza” com um jeito próprio, no qual o dedo indicador funciona como martelete sobre o cigarro preso entre os dedos polegar e médio.

Com os charutos as coisas não são bem assim.

Vimos que a alma dos charutos varia. Há os long-fillers e os short-fillers. Nos primeiros, sendo usado tabaco em folhas inteiras, as veias, de maior consistência e resistência que o restante das folhas, funcionam como uma espinha dorsal das cinzas, durante a queima. Sustentam-na por um bom tempo. Nos charutos short-fillers, tal não acontece. Suas cinzas despencam com maior facilidade. Este fato, porém, não quer significar que não se possam produzir charutos short-fillers de excelente qualidade.

Mas, como a humanidade aprecia ostentação, incorporou hábito de manter cinza enquanto possível, como forma de revelar que o charuto que estava sendo consumido era um produto “mais nobre”, por ser mais caro. Um diferencial social. Foi quando tamanho então, passou a ser documento.

Eu, pessoalmente, não deixo a cinza exceder dois centímetros. A tal altura gosto de livrar-me dela, encostando-a gentilmente contra o cinzeiro, para esboroar-se. Após isso me delicio em apreciar a cinza remanescente a qual, num charuto de boa estirpe, deve ter o formato da ponta de um lápis. Mas, torno a afirmar, trata-se de preferência pessoal e não de uma regra.

Há, inclusive, disputas de charuteiros para ver qual é capaz de conseguir a cinza de maior comprimento. Neste mundo tem gosto para tudo.

Outro caso, não o testemunhei, falo de oitiva, diz-se haver acontecido num tribunal, nos tempos de liberdade para fumar.

O advogado de defesa, durante sua participação, fumou um charuto, cuja cinza não despencava. A atenção dos jurados passou a se concentrar na cinza crescente. Quanto maior era, maior a expectativa de todos, ante a iminente e inevitável queda. O advogado terminou sua fala. A cinza não caiu. O réu foi absolvido.

O advogado, habilmente, inserira um finíssimo fio de arame no corpo do charuto. Neste caso, tamanho também foi documento.

Também, ao falar das cinzas dos charutos, vale o registro uma preciosidade pescada no Boletim Suerdieck Nº 3, julho 1949:

Nós, esposas de fumantes, geralmente nos aborrecemos quando os nossos maridos, distraídos com seus charutos no canto da boca, deixam cair as cinzas nos nossos tapetes. Sempre que isso acontece, e acontece com frequência, nós ficamos indignadas, e achamos que os homens não dão valor ao trabalho que temos com a limpeza das nossas casas. No entanto, caras companheiras, eles mesmo sem perceberem, estão contribuindo para a conservação dos nossos preciosos tapetes, visto que cinza do charuto é excelente para combater os insetos que tanto estragam esses caros adornos. Assim sendo, não acham melhor que deixemos que os nossos maridos aproveitem o seu charuto, sem que se incomodem sobre onde jogar a cinza?

Bons tempos!

DO CORTE DO BICO DOS CHARUTOS

Outro tópico que muito depende da preferência individual. Há várias formas de se cortar o bico dos charutos e literatura bastante a respeito.

Eu pessoalmente sou fã das guilhotinas de bolso e, na falta delas, os anos me ensinaram a usar a unha do polegar. Método que não recomendo aos neófitos e que, evidentemente, não é adequado para os charutos tipo torpedos ou pirâmides.

O importante neste assunto é que o corte permita que o fumo flua sem esforço maior, o que impedirá um desagradável aquecimento do charuto.

FIGURADOS?

Outro modismo que, a rigor, tem sido uma volta ao passado.

Trata-se de uma definição cubana que se incorporou à linguaguem charuteira nacional, depois da abertura de nosso mercado às importações e no intento de se acrescentar maior sofisticação ao negócio.

Figurado é termo genérico que define todo e qualquer charuto que não tenha formato paralelo e cujo bico não seja batido ou cortado.

Este termo que não era empregado nas fábricas baianas do passado, embora os charutos produzidos pelas mesmas, nos primeiros tempos, fossem figurados em sua imensa maioria.

As expressões nativas eram distintas.

Quanto ao bico, os charutos eram definidos como de “bico batido” (cabeça fechada, arredondada); de “bico torado” (cortado); de “bico lançado” (no formato da ponta de um lápis, cônico) e “rabo de porco” (bico fechado com uma voltinha torcida da capa).

Quanto ao corpo, havia os cônicos, os paralelos, os cônicos e de bojo e os paralelos e de bojo. A rigor, todos os charutos que não tivessem o corpo paralelo eram charutos “figurados” e produzi-los, além de demandar mais tempo, requeria mão de obra mais especializada, leia-se maior custo.

Por isso, os fabricantes foram tendendo, com o passar do tempo, a privilegiar a produção de charutos cilíndricos com bicos batidos ou torados, abandonando os múltiplos modelos de antigamente. Penso que a popularização do consumo dos cigarros, também tenha algo a ver com isto: fazia parecer que nossos charutos de formatação sofisticada cheirassem a coisa do passado.

O fato é que os modelos não cilíndricos foram sumindo das linhas de produção dos fabricantes baianos até o ponto em que agora, com exceção dos formatos torpedos e pirâmides, nada mais há diferente no mercado.

O conseqüente desaparecimento de operárias treinadas na produção dos charutos de bojo também faz entender a dificuldade das novas fábricas, para produzirem-nos.

ANEL OU ANILHA?

Anel é a palavra portuguesa correta. Foi a sempre empregada pelos nossos fabricantes do passado.

Anilha, termo importado, é outro modismo da atualidade. Não é encontrável na literatura charuteira nacional pretérita.

No meu modesto entendimento o emprego da palavra “anilha” é perfeitamente dispensável. Agora, se você gosta...

É o caso dos termos short-filler e long-filler empregados neste trabalho. Constam por força de esclarecimento ao leitor. Pessoalmente prefiro as brasileiras definições torcida miúda e torcida inteira.

E já que estamos falando dos anéis, questão sempre indagada tem sido quanto à retirada dos mesmos ou à sua manutenção durante o desfrute do charuto. Acho que isto é uma questão pessoal. Pessoalmente prefiro manter o anel. Assim ele me “avisa” que está chegando o momento de desfazer-me do meu companheiro.

A propósito de anéis, recordo caso vivido quando fui a Havana, em 1986. Havendo sido oficial a visita à CUBATACO, fui contemplado com carro e motorista. Ao sair de uma das reuniões mantidas com os diretores do monopólio, dei ao motorista alguns charutos dos que me haviam sido obsequiados. Este se apressou em retirar os anéis, antes de guardá-los. Ao perguntar-lhe o porquê daquela atitude explicou-me que aqueles charutos eram muito caros para o seu salário e, se fosse visto na rua fumando um deles, poderia ter problemas.

Aí uma boa razão para se tirarem os anéis...

DO CHARUTO CERTO PARA A PESSOA CERTA

Aqueles que já tiveram a oportunidade de descobrir as nuances e sutilezas de apreciar o bom tabaco, que o fazem com indulgente moderação, sabem escolher o charuto certo para o momento certo. E, vezes muitas, para o tempo certo. Isto é verdade. Costumo comparar o charuto a uma ampulheta. Só que em vez da fina areia, são as volutas azuladas que contam o escoar do tempo.

Agora, esqueçam este negócio de haver um charuto certo para cada tipo de pessoa. Trata-se de concepção pitoresca, surgida em tempos nos quais se tentava conquistar neófitos, de todas as formas. Quanto a isso, muito me diverti ao ler no Boletim Trimestral Suerdieck Nº, 1949, indicações de marcas de charutos para cada um de cinco formatos de rostos, assim lá definidos: 1) pequeno rosto oval; 2) rosto comprido e oval; 3) rosto cheio e grande; 4) rosto fino e alongado; 5) rosto tipo médio, semi-quadrado.

Só faltou falar-se da cor dos olhos e dos cabelos. Haja imaginação!

DO ACENDER CHARUTOS

Insisto. Não há regras absolutas. Para acender charutos, importante etapa em desfrutá-los, há muitas formas e discussões quanto à fonte da chama a ser usada.

O tabaco tem a propriedade especial de absorver, com extrema facilidade, os odores que estão à nossa volta. Se Você acender um charuto logo após perfumar-se, após o barbear-se, por exemplo, e não lavar as mãos, é tiro e queda. Lá vai seu charuto ficar com o gosto do seu perfume.

Por isso é que, também, os isqueiros com fluído não são recomendáveis. Você irá aspirar aquele sabor desagradável. Tanto quanto, ao acender seu charuto com fósforo, não esperar pela sua combustão completa. Até aí, tudo bem. Isto, porém, não significa que não se possam usar isqueiros a gás, fósforos longos ou até o fogo do fogão. Fósforos comuns, curtos, permitem a incandescência do charuto, mas exigem extrema habilidade do fumador, para não queimar os dedos.

Afora isso, sabe-se residir na extremidade da chama, a temperatura mais alta. Portanto, acende-se com a ponta da chama mantendo-a cerca de um centímetro do pé do charuto que já deverá estar na boca. Eu assim aprecio, pois as concomitantes aspirações e sopros facilitam a queima inicial.

Agora, não vá recorrer nunca ao fogo da sua churrasqueira. O contato com a alta temperatura, mesmo que breve, poderá reduzir de forma drástica a umidade natural do seu charuto, rompendo sua capa.

Após uniformemente aceso, o que se consegue dando-se voltas ao charuto na boca, no ato de o acender, costumo dar um discreto sopro sobre a ponta fumegante, passando a seguir, a desfrutar a delícias e os especiais momentos na companhia do bom companheiro.

De resto é lembrar-se nunca se tragam charutos. O prazer não está nos pulmões.

DA ESTERILIZAÇÃO E DA GUARDA DOS CHARUTOS

Quem trouxe para o Brasil a técnica da esterilização dos charutos por congelamento, foi a fábrica MENENDEZ & AMERINO. Até então, a indesejada praga do fumo (Lasioderma serricorne) dava panos para mangas e dores de cabeça aos fabricantes nacionais. O texto abaixo, extraído do Boletim Suerdieck Nº 1, 1949, é auto-explicativo:

Ainda não foi encontrado um meio de se impedir que os charutos fiquem bichados, sem prejudicar seu sabor. Não devem os nossos consumidores e fornecedores imaginar que o bicho é proveniente de fumo de qualidade inferior. Todos os fumos, de uma maneira geral, são atacados pelo bicho, que se desenvolve se encontrar ambiente propício, isto é, calor e umidade, que devem ser evitados. Se apesar dessa precaução um charuto é encontrado bichado, após a abertura de uma caixa, esta não deve voltar ao depósito para não contaminar as demais. De um modo geral, os charutos não devem ficar sujeitos a prolongada armazenagem, especialmente no nosso clima.

Quanto à guarda dos charutos deve-se ter especial cuidado, pois os mesmos são muito sensíveis, tanto aos odores circunstantes, quanto à temperatura e à umidade relativa do ar. Para guardá-los recomendo caixas apropriadas, encontráveis em tabacarias especializadas.

CONCLUINDO

Há coisas que se pensam, mas não se dizem, nem se escrevem. Mas, estou convicto que os charutos, sendo um desfrute individual, devem ser desfrutados com o engenho e a arte que mais agradem a cada um e respeitando as limitações quanto aos espaços onde são permitidos. Não se pode mudar o mundo.

A vida é assim. Cheia de encantos e tabus. Ai de nós querermos ser censores da humanidade.

As regras estatuídas visam a convivência social. Mas, se tratando da nossa vivência pessoal, cada qual e sem incomodar aos outros, deve ser livre para procurar a melhor forma de estar em paz consigo mesmo.

Um comentário:

Antonio Farias disse...

Sempre sensatas as ponderações sobre o bom hábito.
Sobre a esterelização, talvez Pasteurização, fiz a pergunta à vários membros do Cigar Club e não obtive respostas satisfatórias.
Abraços,

Farias