sábado, 31 de janeiro de 2009

FM 295 - Foi Bom...

M

eus ancestrais maternos, filhos de Garopaba, litoral catarinense, eram gente do mar. Dedicavam-se à pesca da baleia. Naqueles tempos a cultura puramente extrativa não atormentava todos quantos que, como eles, faziam das águas a fonte do seu sustento.

Garopaba e seu entorno, nos dias presentes, é o santuário brasileiro da baleia-franca (um dos maiores mamíferos existentes; corpo totalmente negro revestido por notável camada de gordura; tal nome é oriundo da sua docilidade o que a tornava a mais fácil de matar).

Mas, na primeira década do século 20, minha avó, ainda menina, brincava no topo de uma elevação às margens da baia-santuário à qual chamavam de Vigia, vigiando a entrada das baleias. Ao primeiro esguicho denunciador da chegada dos cetáceos (ordem de mamíferos marinhos, a que pertence a baleia), descia o morro correndo, para avisar a boa nova aos pescadores. E lá se iam eles com armas e bagagens, arpoarem os indefesos animais.

Agora, um século depois, na tranqüilidade de Itapema, antiga vila de pescadores ao fundo da Baia de Todos os Santos e enquanto desfruto meu charuto, me acodem reminiscências de tais fatos contados por minha avó.

Anos após, dado a crescente escassez de baleias oriunda da captura predatória, muitos pescadores catarinenses voltaram seus olhos para a cidade-porto de Rio Grande, lá no finzinho do mapa do Brasil, cujo mar se tornara propício à pesca de tainhas, devido à construção de um molhe (paredão construído sobre o mar para quebrar a impetuosidade das ondas).

Dos resultados de tal migração ainda lembro. Corriam os finais dos anos 40, inícios dos anos 50. Nosso passadio (alimentação diária) era a base dos frutos do mar. E, maravilha das maravilhas, inexistindo as preocupações quanto à preservação das espécies, não havia o período de suspensão da pesca, agora conhecido como defeso. Dava-se então ao luxo, ora crime ambiental, de termos à mesa, travessas cheias de ovas (ovários dos peixes) de tainha empanadas. Um autêntico caviar brasileiro comido a mancheia (a porção de coisas que a mão pode abranger).

E já que estou falando de coisas que já se foram – quem as viveu, viveu; quem não as viveu não as viverá jamais – lembro-me também das brandas, macias e inigualáveis carnes de vitelo. Chama-se vitelo ao novilho com menos de um ano, mas naqueles tempos, chamávamos vitelo ao bezerro não nascido, ao feto da vaca. À época, vacas prestes a parir eram abatidas numa insensatez que, por ser inconsciente, não guardava remorsos. Muito ao contrário. Os churrascos com carnes daqueles vitelos desmanchavam-se em sabores consentidos os quais, com água na boca, agora evoco.

Tão saborosas como este momento de saudades e como meu charuto quando se desfaz em fumaça e cinzas.

Cada momento daquele passado distante poderá ter sido politicamente incorreto. Mas que foi bom, foi!

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

FM 294 - Estamos Melhorando

D

emonstrações de civilidade fazem parte do cotidiano das pessoas ditas educadas. Mas, quando olhamos ao nosso redor vemos quão enorme o caminho a percorrer quando se trata de urbanidade e cidadania. Em especial no campo político.

Noutros centros com padrões culturais distintos dos nossos, para não dizer mais evoluídos, são usuais manifestações de cordialidade entre vencidos e vencedores, entre os políticos e demais homens que, por força de sua militância, se tornaram públicos. Sabem eles que a vida é cíclica e que, assim, devem prevalecer os princípios da fraternidade e do respeito mútuo entre pessoas ideológica ou partidariamente de campos opostos.

Ao menos foi isso que me ensinaram e que, ao longo dos muitos anos em que vivo na minha querida São Gonçalo dos Campos da Bahia, tenho me esforçado em demonstrar pelo comportamento pessoal.

Cidadania e urbanidade não se aprendem somente na escola e na casa paterna. Aprendem-se lendo, estudando, copiando bons exemplos. Não exigem vocação. Apenas requerem desprendimento.

Tudo isso a propósito de experiências por mim vivenciadas nesta terra que há de acolher meus ossos.

Poucos dias após as eleições municipais de 2004, estávamos eu e um fraterno amigo à mesa de um bar, no calçadão que abriga os mais festejados “points” da cidade. De forma inesperada e sem razão plausível fui agredido - esmurrado é a palavra certa - por um cidadão, cerca de 30 anos mais jovem, correligionário do prefeito então eleito e do qual eu fora opositor na campanha. Não prosseguiu na impensada atitude, contido que foi por companheiros seus. Alguns, inclusive, que me vieram expressar solidariedade. Já o perdoei e ele sabe disto.

Agora, nas eleições de 2008, decidi apoiar um novo nome para a prefeitura de minha cidade. A luta nos bastidores foi grande, coisas da política, no sentido de impedir a candidatura de outro pretendente, ex-prefeito, o qual foi eleito com indiscutível apoio da maioria da população. O homem é bom de votos.

Como sei distinguir as coisas, ao comparecer ao Fórum no dia da diplomação, como cidadão, reconhecendo a vitória do eleito ao final da dura luta, quando fui cumprimentá-lo, empunhou seu diploma de forma veemente e pouco cortês e pediu-me, inamistosamente, que “a partir daquele momento não mais lhe dirigisse a palavra”, dando-me as costas.

Seja lá o que Deus quiser!

Menos mal que, desta vez, não fui agredido fisicamente.

Antes tais fatos meu charuto conselheiro me leva a concluir que, em termos de civilidade, estamos melhorando.