domingo, 14 de junho de 2009

FM 306 - Volto a ser meu pai

Quando da minha infância vivida lá em terras do sul, meu pai corrigia os “gauchismos” do linguajar daqueles tempos. Os tais vícios de linguagem.

- Não se pronuncia “mans” e sim, “mas”. – dizia ele.
- Que negócio é esse de “armanzém”?
O certo é “armazém”, guri – reclamava.
- Onde aprendestes a dizer “muinto”? A pronúncia correta é “muito” – eu ouvia toda hora.

E assim as correções se estendiam por outras tantas e tantas palavras, mal pronunciadas, na pureza dos meus primeiros anos.

As marcas do aprendizado ficaram. Creio que por esta razão passei a nutrir certa mania de perfeição no trato do falar e do escrever, melhor dizendo, do palavrear. Tanto que ajo de igual forma com meus dois filhos “fins de rama”. Felicito-me e alegro-me sempre que eles incorporam novas palavras, bem pronunciadas, nos seus vocabulários em formação.

Outro hábito que o velho não perdoava era falar-se em voz alta.

- Não grite, menino! – esperneava sempre.

Eu hoje, embora minha fonoaudióloga haja diagnosticado pequena perda da audição, fruto da própria idade, também padeço com pessoas falando alto ao meu redor.

Parece que foi castigo.

Cá, na minha querida São Gonçalo dos Campos da Bahia, lugar que o destino reservou para o viajar da velhice, é habitual falar alto, rir alto, ouvir música alto.Tenho indagado a meu charuto-conselheiro quais as origens de tais comportamentos.

Quanto à música eu até compreendo. De tal fenômeno tratei em crônica anterior. Os trios elétricos, com seus estrondosos decibéis, devem ter imposto o costume. As pessoas deixaram de ouvir música para si mesmas e passaram a sonorizar para os outros viventes. Viventes que, compulsoriamente, se transformam em ouvintes dos gostos musicais de terceiros.

Quanto a falar em brados estridentes, - o que meu pai classificava como falta de educação – meu charuto me disse ser uma questão cultural e que não devo ser tão exigente e rigoroso.

Aprendi a me divertir quando duas pessoas - cá todas se conhecem - se encontram vindo por direções e passeios opostos. Metros e metros antes de se cruzarem, lá estão elas se manifestando entre si, e prosseguem seguindo em frente, falando, falando e virando suas cabeças, após uma já haver passada pela outra. Claro que, para tanto, haja pulmões!

Nos bares da vida é a mesma coisa. Todo mundo se quiser e sem esforço, pode escutar conversas alheias. E se, em tal cenário, acrescentarmos as músicas simultâneas, vindas de variadas fontes, altíssimas, fácil imaginar o quase pandemônio.

Meus meninos “sofrem”, vez que por força dos exemplos vistos no dia a dia, também se acostumaram a falar em tom acima do “normal”.

Corrijo-os o tempo todo.

Volto a ser meu pai.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

FM 305 - Chegaremos lá

A praça tem sido para mim o centro vital onde pulsam minhas elucubrações. Nela farejo a consciência, convertendo meus pensares em textos. Por mais gente que haja, uns jogando dominó, outros mais, aposentados na indolência imposta pelos anos, passantes em passos arrastados após um dia de trabalho, outros bebericando, nada, nada disto desvia minha concentração. Só me inspira, motiva e completa.

Isso a propósito de, por estar desligado das circunstâncias, volta e meia, amigos do ver, no vai e vem do dia a dia, reclamarem magoados por haver cruzado por eles e não tê-los cumprimentado. É que, com o alheamento ao qual me imponho, cogitando no escrever, vejo sem ver, escuto sem escutar. O mundo onde meu espírito mergulha torna-se maior que o mundo exterior. Fico cego e surdo, como agora me estou a apreciar meu charuto e a rabiscar estas mal traçadas.

Assim, introspectivo, recordo o modo de se praticar política em muitas cidades interioranas. Faz-se política com a merenda, com o leite das crianças, com o transporte escolar, com a bolsa-família. Já presenciei casos de ser negado fornecimento de leite e merenda a instituições educacionais filantrópicas, por seus dirigentes terem adotado direção oposta à do prefeito de plantão. Testemunhei caso de um vereador tentar negar o serviço de transporte escolar a um estudante, por seus pais não terem votado nele. Há credenciamentos aos benefícios da bolsa-família não tendo em conta o real perfil sócio-econômico dos solicitantes. Se tiverem marchado contra o gestor eleito, seus cartões perigam nunca chegar. Se forem correligionários, fecham-se os olhos até para o fato de terem filhos estudando em escolas privadas, e não na rede pública. Para tanto existe uma desculpa esfarrapada. Se forem inquiridos por uma fiscalização (como fiscalizar milhões de bolsas-família?) responderão que “é o padrinho da criança quem paga as mensalidades”.

Assim, navegando neste mar de injustiças e engodos, vemos a máquina pública ser irresponsavelmente usada com propósitos eleitoreiros e não políticos, no bom sentido do termo. E o que mais dói nisto tudo, é ver que a maioria da população pobre e dependente das benesses públicas, temendo sabidas represálias, aquieta-se docilmente e ainda por cima, vota nos homens. E estes vão deitando e rolando, aperfeiçoando, sempre mais, seus maquiavélicos modos de governar.

Falando em represálias recordo fato acontecido comigo, há muitos anos. Combatia o bom combate num programa radiofônico. Adversários não tendo como me atingir, emporcalharam com fezes a maçaneta da porta do meu carro. Sem comentários.

Tais desencantos, que meu charuto-companheiro faz afluírem, são compensados por saber que há uma minoria consciente que não entrega os pontos, que não se deixa corromper e que luta, cada qual a seu modo, por uma radical e drástica mudança de comportamentos.

Por isso, penso que nem tudo está perdido. Um dia chegaremos lá!