sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

FM 298 - Burburinho

É

quase noite de uma sexta-feira. Dia da semana em que fervilha o calçadão da Praça Cazuza Machado, o mais importante “point” da minha São Gonçalo dos Campos da Bahia.

Aposto-me à minha mesa estratégica e predileta do bar Toca dos Amigos. Aqui, aliás, quase diariamente me entoco nos finais de tarde. Para, enquanto não chega algum amigo apreciador dos prazeres etílicos, dar-me ao prazer de escrever, fumando meu charuto ao ar livre, em meio ao burburinho do ambiente.

E, nas sextas-feiras tudo vai bem, no máximo até as vinte horas. Depois, começam a encostar mais e mais carros, com potentes sons instalados, cujos exibicionistas proprietários, curtem especial satisfação em ligar o volume nas alturas. Impõem aos outros, os seus gostos musicais, gostos sobre os quais dispenso comentários.

Agora então, quando a renda da população da base da pirâmide social tem, justamente, se elevado, acessando-lhes aparelhos de som custosos, estar em público tem se tornado um exercício de paciência quase insuportável.

Quem conhece a Bahia, bem conhece o fenômeno dos trios elétricos. Decibéis desrespeitando a capacidade humana auditiva parecendo desejar que o mundo todo os escute. Fizeram escola. Cada carro que aporta nas noites das sextas-feiras, aqui no calçadão da Cazuza Machado, é um verdadeiro minitrio-elétrico. As músicas tocadas se cruzam e se misturam, de leste a oeste, infernizando aqueles que apreciam o papo amigo e o bom sossego.

Converto-me em peixe fora da água. Mas, como a vida me ensinou a ser anfíbio, desligo os ouvidos. Deixo o barco correr e continuo fazendo crescer a cinza do meu charuto, casando tudo com o inaudível tilintar do gelo de meu uísque se desfazendo em água.

Menos mal que, até agora, ninguém chegou à minha mesa interrompendo o prazeroso (?) momento que me instigou este relato.

A praça se agita. Atestado que muitos da minha cidade apreciam o confuso burburinho. Ou – me indago – será que já se conformaram com tal estado de coisas?

Meu charuto terminou. Vou-me embora.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

FM 297 - Quase Ninguém Lê

O

exercício da leitura, em especial de bons autores, deveria ser mais incentivado nos lares e nas escolas. As bibliotecas andam vazias. Tudo virou Internet, com suas traições e com seus vírus. Comprar livros, ou mesmo revistas e jornais, está num patamar bem abaixo do comprar CDs, DVDs, jogos do Playstation. Parece que o exercício de ler virou coisa do passado. Estudantes só leem livros propostos nos vestibulares da vida.

Eu, que escrevo regularmente, posso bem testemunhar, o abandono cultural ao qual foram relegadas as gerações mais jovens. Leem e nada entendem do que leram. São verdadeiros analfabetos funcionais de vocabulário reduzidíssimo que, ao invés de recorrerem ao “pai dos burros” (expressão antiga que classificava os dicionários), preferem reclamar do escritor por não haverem compreendido o texto e sua mensagem. Comodistas que adoram os pratos prontos e as comidas a quilo.

Quem deve se esforçar para se fazer entender são os escritores de notícias, os jornalistas. Quanto àqueles que escrevem por diletantismo (qualidade de quem exerce uma arte por gosto e não por ofício ou obrigação), despreocupados com os ibopes da vida, reserva-se o direito de dizerem das coisas ao seu modo, lançando mão das sutilezas (delicadezas, finuras) do nosso idioma pátrio.

Tais reflexões me acorrem agora, enquanto sossegado no meu recanto de escrever, vejo meu charuto desfazendo-se e, como uma ampulheta (instrumento constituído de dois vasos cônicos de vidro, que se comunicam nos vértices por um pequeno orifício, e destinado a medir o tempo pela passagem de certa parte de areia do vaso superior para o vaso inferior), contar o tempo escorrendo. Por tal motivo de uns tempos para cá, para não deformar meu estilo, passei a colocar após o emprego de palavras pouco usuais, uma breve explicação dos seus significados. Que me perdoem, portanto, os leitores com bom domínio vocabular.

Sei que, assim como aprecio charutos, tal cuidado poderá parecer anacrônico (contrário aos usos da época) ou pedante (vaidoso, pretensioso). Mas não é. Trata-se da singela (simples, sincera) conclusão que, hoje em dia, quase ninguém lê.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

FM 296 - Paz de Itapema

É

verdade. Nada é perfeito. A coleta do lixo doméstico deixa a desejar nos becos estreitos que, com as casas de Itapema - recanto da Baia de Todos os Santos - formam uma composição urbana quase medieval.

As poucas terras daquela fracionada fazenda à beira-mar, dividiram-se e subdividiram-se em pequenas porções sobre as quais no lugar das antigas e simples casas de telhas vãs e pisos cimentados, que já tiveram telhados de palha, começam a brotar construções de padrão arquitetônico indefinido, algumas de caráter duvidoso. Quase todas que, ávidas em desfrutar da brisa e da privilegiada vista marinha por sobre os telhados vizinhos, crescem na vertical, espreitando indiscretamente os mini-quintais adjacentes.

E agora, quando me comprazo com a companhia de meu charuto, à sombra amiga de uma grumixameira (árvore da família das Mirtáceas – “Eugenia brasiliensis”, conhecida vulgarmente por “grumixama”, o nome do seu fruto e confundida, muitas vezes, com o Jamelão, árvore da mesma família, identificada botanicamente como “Eugenia jambolana”), como eu dizia, à sombra amiga de tal árvore, meu coração dispensa o marca-passo que há dois anos o regula. Tudo se apazigua. Os sentidos se aguçam me fazendo ver coisas que normalmente não vejo.

Não, não falo da crescente cinza do meu charuto, desafio ao qual sempre me imponho e que fascina os não iniciados. Reclamo dos meus dois guris que, ali em frente com um grupo juvenil, volta e meia acodem à minha mesa, em busca de um copo de água, interrompendo minhas prazerosas idéias solitárias. Falo do encanto de tudo que, iluminado pelo brilhante sol de Itapema, faz deste lugar uma ilha de sossego. Sossego para meditar e escrever, volta e meia também interrompido por nativos e veranistas de cabelos tão grisalhos quanto os meus e que, como eu, às suas individuais maneiras, curtem estes inefáveis (que não se podem exprimir com palavras, indizíveis) instantes.

Tanto que ao apreciar meus dois filhos extemporâneos (aquilo que está ou vem fora do tempo certo) jogando bola em meio a outros tantos do mesmo tope (tamanho), sinto-me como se eu eles fosse. No vigor de uma vida pela frente.

Como canta Nelson Gonçalves que agora escuto, “meu pranto é meu amigo e minha fé não cansa” e é verdade, pois a fé da gente, nunca tira férias. Ela, quanto mais o tempo passa, mais jovem fica. Permite sempre uma “porção de sonhos venturosos”. Entre eles o de poder voltar, nos próximos verões, a desfrutar da paz de Itapema.