terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

FM 296 - Paz de Itapema

É

verdade. Nada é perfeito. A coleta do lixo doméstico deixa a desejar nos becos estreitos que, com as casas de Itapema - recanto da Baia de Todos os Santos - formam uma composição urbana quase medieval.

As poucas terras daquela fracionada fazenda à beira-mar, dividiram-se e subdividiram-se em pequenas porções sobre as quais no lugar das antigas e simples casas de telhas vãs e pisos cimentados, que já tiveram telhados de palha, começam a brotar construções de padrão arquitetônico indefinido, algumas de caráter duvidoso. Quase todas que, ávidas em desfrutar da brisa e da privilegiada vista marinha por sobre os telhados vizinhos, crescem na vertical, espreitando indiscretamente os mini-quintais adjacentes.

E agora, quando me comprazo com a companhia de meu charuto, à sombra amiga de uma grumixameira (árvore da família das Mirtáceas – “Eugenia brasiliensis”, conhecida vulgarmente por “grumixama”, o nome do seu fruto e confundida, muitas vezes, com o Jamelão, árvore da mesma família, identificada botanicamente como “Eugenia jambolana”), como eu dizia, à sombra amiga de tal árvore, meu coração dispensa o marca-passo que há dois anos o regula. Tudo se apazigua. Os sentidos se aguçam me fazendo ver coisas que normalmente não vejo.

Não, não falo da crescente cinza do meu charuto, desafio ao qual sempre me imponho e que fascina os não iniciados. Reclamo dos meus dois guris que, ali em frente com um grupo juvenil, volta e meia acodem à minha mesa, em busca de um copo de água, interrompendo minhas prazerosas idéias solitárias. Falo do encanto de tudo que, iluminado pelo brilhante sol de Itapema, faz deste lugar uma ilha de sossego. Sossego para meditar e escrever, volta e meia também interrompido por nativos e veranistas de cabelos tão grisalhos quanto os meus e que, como eu, às suas individuais maneiras, curtem estes inefáveis (que não se podem exprimir com palavras, indizíveis) instantes.

Tanto que ao apreciar meus dois filhos extemporâneos (aquilo que está ou vem fora do tempo certo) jogando bola em meio a outros tantos do mesmo tope (tamanho), sinto-me como se eu eles fosse. No vigor de uma vida pela frente.

Como canta Nelson Gonçalves que agora escuto, “meu pranto é meu amigo e minha fé não cansa” e é verdade, pois a fé da gente, nunca tira férias. Ela, quanto mais o tempo passa, mais jovem fica. Permite sempre uma “porção de sonhos venturosos”. Entre eles o de poder voltar, nos próximos verões, a desfrutar da paz de Itapema.

3 comentários:

Anônimo disse...

Enviada em: quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Obrigado, por me ensinar que aquela árvore em Itapema é uma grumixameira. Tope no sentido de tamanho é de minha época de menino e extemporâneo eu aprendi nos tempos de universidade. Agora o significado de inefável... embora já tenha escutado através de Vera, aprendi depois que li na sua crônica.

Mas, melhor mesmo que aprender com suas crônicas, é lê-las; melhor que lêr é desfutar de uma boa conversa em Itapema e melhor que isso, só o camarão... em Itapema.

Eduardo J. A. Macario

Anônimo disse...

Enviada em: quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Prezado Amigo Carvalho,

Que bom voltar a receber as tuas maravilhosas crônicas.
Aguardo outras mais.
Com forte e fraterno abraço,
Brambilla

Anônimo disse...

Enviada em: sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Parabéns, pela sua sensibilidade em descrever com tamanha elegância um momento de extrema intimidade, levando nós leitores a sentir tão intensamente a grandeza de ITAPEMA.

Rosângela