segunda-feira, 11 de julho de 2011

DANNEMANN - A saga de um nome famoso

Quando Gerhard Dannemann iniciou sua saga, desembarcando no porto de Salvador e partindo em direção ao Recôncavo Baiano, não poderia imaginar que iria se converter em legendária figura dos charutos.

Veio como tantos outros alemães, mergulhar sua vida na atividade tabaqueira, negócio de relevante importância no Império do Brasil.

Não sei onde, nem quando aprendeu nosso idioma. Mas sei que, homem educado, conquistou em pouco tempo, influentes amizades no mundo político provincial. Amizades que lhe foram muito úteis, como veremos mais adiante. Não só isso. Dotado de personalidade marcante, se transformou em inconteste liderança empresarial no setor fumageiro.

Encantou-se pela Bahia. Mais ainda pelo casario colonial dos séculos 16 e 17 e suas igrejas, cenário-presépio e fervilhante centro de negócios, no ponto onde o Rio Paraguaçu, descendo em cachoeiras, deixava de ser navegável.

Era o porto de Cachoeira, última parada para saveiros e vapores que não podiam subir rio acima, mas que rio abaixo, invadindo as águas da Bahia de Todos os Santos, escoavam para a capital da Província da Bahia, as riquezas do Recôncavo e outras tantas que chegavam do Sertão, a bordo das marias-fumaças com seus apitos estridentes.

Gerhard Dannemann preferiu a margem direita do rio. Talvez pela razão da paisagem oposta ser mais rica em casarios e assim, se comprazer com o encantador cenário barroco, deslizando morros abaixo. Se isto não foi, deve ter sido pelos comboios da Estrada de Ferro Central da Bahia terem ali, o ponto final de seus trilhos. Ainda não havia ponte para a travessia do rio.

Não perde tempo. Mal completado um ano de sua chegada, cuida em se estabelecer na manufatura de charutos, juntando-a com a atividade exportadora de tabaco. Penso trouxera consigo tal intento, que a decisão não fora algo circunstancial.

Pequenos fabricos de charutos eram constância. Assume um destes negócios.

Em fontes secundárias, tenho encontrado um nome para este ponto de partida, SCHNARRENNBRUCH, mas tanto no contexto global é de somenos importância. O fato é que, como fruto da medida, surge a empresa DANNEMANN & CIA (1873). E toca o barco, correndo roças de fumo e cuidando do fabrico. Passa a conhecer a região, palmo a palmo. Na verdade, São Félix fora escolhida para a matriz do negócio, por contar com menor concorrência de fabricantes de charutos.

Em 1880, seu amigo Ludwig Kruder é convidado para ingressar na sociedade.

Os negócios prosseguem e prosperam sendo a empresa agraciada por Dom Pedro II, com o título de IMPERIAL FÁBRICA DE CHARUTOS DANNEMANN. Isto, acontecido em 1883, por si mesmo, revela o grau de influência política conquistada por Dannemann, em seus primeiros dez anos de Brasil.

Neste mesmo ano, começa a se realizar o sonho dos ribeirinhos e do empresariado cachoeirense. A construção da ponte metálica, ligando os 365 metros de água que separavam as duas margens, a qual é inaugurada, dois anos após. Finalmente o trem chegava Cachoeira e, para se atravessar o rio, os barcos foram-se.

Fico aqui, imaginando o pioneiro Dannemann, nos mornos crepúsculos da região, sentado à beira do caís, por trás de um mar de velas de saveiros, apreciando os guindastes a vapor, que aos poucos erguiam a superestrutura metálica da ponte, encomendada à Inglaterra. Cofiando a barba, fazendo planos, fumando um charuto e matutando quanto à próxima marca a ser produzida. A DANNEMANN, entre todas as fábricas baianas, foi campeã na quantidade de marcas de charutos.

E, como quem ama uma terra, nela deita raízes, no ano da proclamação da República, já casado com Aleluia Navarro Dannemann, Gerhard vira Geraldo. Naturaliza-se brasileiro. Creio deva ter ido a Paris, participar da Exposição Internacional, onde a empresa foi premiada com sua terceira medalha de ouro. Houvera antes, recebido duas outras, em Antuérpia e Berlim.

Havendo se transformado numa liderança empresarial, bem sucedido comercial e socialmente, para a política foi um passo. As terras que escolhera para viver e trabalhar, sitas à margem direita do rio, antiga freguesia e depois vila, são elevadas à condição de cidade com o nome São Félix do Paraguaçu. Topônimo mais tarde, simplificado para São Félix.

Por sua reputação e pelas amizades granjeadas, entre elas a do governador da Bahia, o médico Manoel Vitorino Pereira, Dannemann é nomeado intendente da nova cidade, em 1889. Revelou-se grande administrador. Tanto que nas eleições havidas em 1893, foi eleito o primeiro prefeito de São Félix. Excelente por sinal. Para completar a lista de sucessos, a empresa é novamente premiada. Desta vez, na cidade de Chicago.

Prestígio, recursos e poder formaram assim, o tripé da crescente projeção da DANNEMANN, nos dez anos que se seguiram. Em 1904 seus produtos, expostos em St. Louis (USA) recebem outro Grande Prêmio. Neste mesmo ano, Johann Adolf Jonas ingressa na sociedade.

Dannemann sabia o que fazia. Homem realizado e bem sucedido, via se aproximar o tempo de voltar à terra natal. Cuidava, portanto, de preparar alguém que pudesse, junto com Eduardo Dannemann Filho, ficar em São Félix cuidando dos negócios.

Foi o que aconteceu em 1908. Dado à expansão do comércio de fumo, charutos e outros negócios, Geraldo Dannemann e Ludwig Kruder se desligam da direção da empresa permanecendo sócios comanditários e retornam para a Europa, onde continuaram a serviço da firma. Naquele momento, ficava claro que o mercado externo era o principal alvo.

Efeitos das guerras

Sob a gestão de J. Adolf Jonas a empresa seguiu crescendo, sendo premiada nas exposições do Rio de Janeiro (1908) e Buenos Aires (1910). Em 1911 contava com fábricas em São Félix, Maragogipe, Muritiba e Nagé. Chegava a 2.200 o número de empregados (O PROPULSOR, São Félix, 1911). Em 1913 a empresa recebe outro grande prêmio, na exposição da cidade de Gand, na Bélgica.

Pela continuada participação em eventos internacionais, vê-se que, por detrás de tudo, estava Dannemann articulando o trabalho de difusão do nome da companhia. E assim foi até 1921, quando vem a falecer, ano em que Johann Adolf Jonas naturaliza-se brasileiro. Passa a chamar-se João Adolfo e, como seria natural, o mentor maior da organização.

A Primeira Guerra Mundial resultara em muitas e danosas conseqüências para o setor fumageiro baiano, enfraquecendo, dado à redução dos negócios, as empresas charuteiras e exportadoras.

Assim, para se fortalecerem, as fábricas DANNEMANN e STENDER, resolvem unir esforços, resultando como sucessora a CIA DE CHARUTOS DANNEMANN (1922). João Adolfo Jonas que passara a presidi-la, tendo como diretor o suíço Ernesto Tobler, cuida logo de apresentar a nova empresa na Exposição do Centenário da Independência, no Rio de Janeiro, quando é premiada.

Dado à junção havida, nos anos a seguir a empresa retomou o patamar de seus negócios, mas Dannemann continuava fazendo falta como ponta de lança na Europa, na defesa e difusão dos interesses empresariais.

João Adolfo Jonas morre em 1937, é substituído por seu filho de mesmo nome, sem tempo para participar dos momentos difíceis que a empresa enfrentaria mais na frente.

Gato escaldado tem medo até de água fria. Em 1938, esboçando-se o cenário de outra guerra, a DANNEMANN que houvera enfrentado o drama do conflito anterior, com seus charutos desaparecendo do mercado europeu, para se proteger de novos prejuízos, firma diversos contratos de franquia na Europa, autorizando a produção da marca naquele continente. Tais contratos, que aqui não foram registrados, estipulavam que os fumos para produção dos charutos fossem comprados da DANNEMANN brasileira. O esquema montado legalizava os charutos feitos no continente europeu, os quais passaram a ser vendidos como oriundos no Brasil.

A medida salvaguardava a presença da marca na Europa, porém não resolvia os problemas oriundos do mercado doméstico o qual, como vimos, não fora o alvo principal da companhia no seu nascedouro. Mas não esqueçamos que, mesmo assim, a DANNEMANN conquistara posição de relevo no cenário nacional.

As coisas continuam a se complicar para a CIA. DE CHARUTOS DANNEMANN manter em operação fábricas que não mais trabalhavam para exportação. Na minha interpretação dos fatos, induzo que a capacidade ociosa se tornara enorme, dado à transferência do direito para produção na Europa. Por isso e para garantir fluxo de caixa, via aumento das exportações de fumo, além de fechar a fábrica de Nagé, novos contratos de franquia são firmados em 1941. Ou seja, a empresa, conscientemente ou não, abdicava da manufatura local de charutos, esperando que as vendas de fumos para o exterior, compensassem o grave desequilíbrio no qual se envolvera.

Como as desgraças nunca andam sozinhas, sempre vêm acompanhadas, o Brasil declara em 1942, estado de beligerância contra as nações do Eixo. A onda antinazista que varreu o país, se abate sobre a DANNEMANN de forma implacável e injusta. Ninguém se lembrou do passado e dos bons serviços prestados pelo precursor Dannemann. Muito menos do relevo da empresa no cenário econômico regional.

Além das perseguições contra os alemães natos, seus confinamentos e demissões sem nada receberem, num inconseqüente gesto, a turba se abate sobre os prédios e instalações da DANNEMANN, depredando o escritório em Salvador, bem como as fábricas de São Felix, Muritiba e Maragogipe. Batia na própria cara. Acabava assim, com o ganha-pão de muita gente.

A empresa fica sob intervenção das autoridades nacionais, sendo nomeado o extinto IBF – Instituto Baiano do Fumo, para administrá-la. Houvesse dinheiro das burras oficiais para recuperar os estragos.

E como ficava a condução das rotinas da empresa, exercida pelos técnicos alemães demitidos?

O resultado foi o ingresso numa fase de franco declínio.

Não tendo IBF dado conta do recado, vem a ser substituído por novo interventor, o Banco do Brasil, representado por Paulino Jaguaribe de Oliveira o qual, se de charutos conhecesse alguma coisa, seria porque, talvez os fumasse. Mas isto não é o bastante. A espinha dorsal da companhia fora quebrada. O conhecimento e a experiência, acumulados ao longo de setenta anos, haviam sido jogados fora. Quem duvidar que intente assumir uma empresa charuteira, sem nunca ter ralado no chão de fábrica e sem haver, centenas de vezes, espalmado fumos e aprendido a distinguir suas nuances.

Em 1945 somam-se convergências negativas. Ao despreparo de comando se junta a queda de exportações de fumos para a Europa, sustentáculo financeiro da empresa. Para dar uma aparência mais brasileira, tomou-se uma providência cosmética. Mudou-se a razão social para CBCD - CIA. BRASILEIRA DE CHARUTOS DANNEMMANN. Claro que para viabilizar financiamentos com vistas a soerguer o negócio.

Nada adiantou. As fábricas são fechadas em 1948. Só em São Félix foram 1.000 os demitidos. Nos três anos seguintes, a empresa prosseguiu apenas no segmento da exportação de fumos. Seus charutos desapareceram do mercado nacional. Os do exterior, lá continuavam sendo fabricados pelos franqueados.

Em 1951 são reabertas as fábricas de São Félix e Muritiba. Segundo apurei em relatório existente no Arquivo Público de São Félix, em agosto do referido ano a produção das duas fábricas alcançou 4 milhões de charutos, sendo o estoque final de quase 8 milhões de unidades.

Em 1953 a exportação de fumos, fonte de recursos para custeio das fábricas, deixa de ser feita pela CBCD. Os fumos para produção de charutos DANNEMANN no exterior, passam a ser abastecidos pela DANNEMANN EXPORTADORA DE FUMOS LTDA, com capital holandês. Empresa criada justamente para tal finalidade.

A fabricação local tendo que conviver apenas com o resultado das vendas no mercado doméstico, não resiste. Em decorrência, entra em processo de insolvência, vindo a falir em 1954, fechando as duas fábricas e o escritório na capital baiana.

A empresa fica acéfala, em bom português, a Deus dará. Em tal momento, o gestor da CBCD era Francisco Aragão.

Daí em frente, foram outros 15 anos de idas e vindas.

Os bens da empresa foram leiloados em 1961, tendo a SUERDIECK arrematado prédios, máquinas e equipamentos.

Começam disputas pela propriedade da marca. A SUERDIECK se oculta por detrás de uma nova empresa denominada DANCOIN – DANNEMANN COMÉRCIO E INDÚSTRIA LTDA, em nome da qual Francisco Aragão arremata as 70 marcas de charutos e 28 de fumos que foram leiloadas. Em função disto, em 1962, as marcas DANNEMANN, voltam a serem ofertadas no Brasil, produzidas na fábrica da SUERDIECK de Cachoeira, sob licença da DANCOIN.

Em 1963 para assegurar a exclusividade da fabricação brasileira das marcas DANNEMANN, a DANCOIN requer a baixa da CBCD na Junta Comercial da Bahia, como produtora de charutos. Também, sem levar em conta os antigos contratos de franquia, intenta exportar para a Alemanha. Deu-se mal. Esta operação foi embargada sob a alegação que os direitos de venda da DANCOIN eram restritos ao mercado nacional. Perdendo a demanda na Europa, a DANCOIN parte para registrar a marca DANNEMANN em outros mercados externos.

Em 1965, em virtude de ação jurídica interposta por um dos sócios da CBCD, o registro da empresa é revalidado voltando, portanto a existir. Apenas no papel. Sem sede, sem fábrica, sem empregados.

Passam-se dois anos e a demanda internacional pela distribuição da marca chega a um acordo. O mercado europeu ficou com o empresário George Koch e o restante com a DANCOIN. Esta, além de aceitar a retirada do nome Dannemann de sua razão social, passando a intitular-se DANCOIN – COMÉRCIO E INDÚSTRIA LTDA, reconheceu o direito da CBCD voltar a produzir charutos para a Europa.

A volta por cima

Em função do acordo, a CBCD – CIA. BRASILEIRA DE CHARUTOS DANNEMANN, amparada pelos franqueados europeus, torna a produzir charutos em São Félix em 1970, abrindo sete anos após, uma pequena unidade na cidade de Cruz das Almas. A DANNEMANN era então comandada por um grupo suíço-alemão, tendo de um lado a família suíça BURGER e, do outro, a empresa MELITTA alemã.

Passara o período das tormentas. Os brasileiros voltaram a encontrar charutos DANNEMANN, nas tabacarias nacionais.

Em 1981 Hans Joseph Maria Leusen, holandês de origem e cônsul honorário de seu país na Bahia, residente no Brasil desde 1962, por desfrutar da confiança dos controladores da DANNEMANN, assume a presidência da organização brasileira.

Em 1988, ao se completarem 115 anos de fundação, o controle da companhia passa às mãos do grupo suíço BURGER SOEHNE. Era ponto de partida para nova etapa na vida empresarial.

Para comemorar a efeméride, assim como o centenário da emancipação de São Félix, a empresa compra as ruínas do prédio que fora o berço de sua história. Reconstrói o mesmo, mantendo a belíssima fachada primitiva e ali instala um ponto voltado para as artes e a cultura. O CENTRO CULTURAL DANNEMANN, inaugurado em 1989.

Em 1995, transfere o fabrico de charutos de Cruz das Almas para São Félix, integrando-o à nova infraestrutura que montara.

Agora, na margem do rio, onde Dannemann testemunhara a construção da ponte, o nome famoso prossegue sua saga.

O atual guardião da marca DANNEMANN e seu comandante no Brasil, Hans Leusen, profundo conhecedor da empresa aqui e além-mar, ao ser entrevistado, revelou-se firme em suas colocações quanto à indústria charuteira.

Eis, em síntese, suas opiniões sobre o momento presente. [] o fumo sempre terá chance de sobreviver [] os governos não têm o mesmo vigor contra as bebidas e as drogas, que adotam contra o fumo [] na Holanda as ações contra o fumo são de tal ordem que em muitos coffee-shops é permitido fumar maconha, mas cigarros e charutos, não [] os fumantes irão encontrar espaços onde poderão fumar [] álcool e tabaco sempre existirão [] as bitolas grandes dos charutos, serão substituídas no futuro, pelos small-cigars [] a Dannemann no Brasil se preocupa acima de tudo com sua imagem [] não sacrifica seu padrão de qualidade para reduzir custos [] não faz nenhum tipo de concessão comercial [] daí seus charutos serem mais caros []

As marias-fumaças, os saveiros e suas velas, o tempo levou. Mas a DANNEMANN, o Paraguaçu e sua ponte continuam.

Por certo Hans Leusen, ao evocar o passado, contemplando a paisagem barroca na outra margem do rio, vendo as mulheres trabalhando na fábrica rodeadas de obras de arte, nutre justificado orgulho em presidir a companhia.

Hoje, a exemplo do pioneiro, enquanto fuma seu charuto, senta-se ao cais em frente à fábrica, se enamora do rio, mira a ponte, acompanha o presente e sonha com o futuro.

2 comentários:

Miria Alves disse...

Parabéns pelo artigo.
Gostaria mais informações sobre os Dannemanns como: o patriarca foi Geraldo Dannemann, depois Eduardo Dannemann, seguido de Eduardo Dannemann Filho, depois Gert Egon Dannemann, Geraldo dannemann Filho e o meu contemporâneo Geraldo Dannemann Neto. Gostaria que me confirmasse se estou certa nessa genealogia, pois me ajudará nas informações que preciso para um trabalho acadêmico sobre essa família.
Obrigada.
mavessilva@gmail.com

Anônimo disse...

Adorei saber sobre essa história . Sou bisneta do fundador Geraldo Dannemann, filha de Paulo Kitzinger Dannemann, que veio a ser filho de Eitel Dannemann, um dos filhos de Geraldo. Gostaria de saber mais sobre Aleluia Dannemann e sobre seus filhos.
Grata, Maria Aparecida Dannemann.