domingo, 19 de junho de 2011

GONÇALÓPOLIS

FM-316 GONÇALÓPOLIS


Gonçalópolis é cidade imaginária, quase-mar, quase sertão, minúsculo ponto no mapa nordestino, no qual trens já passaram e aviões nunca chegaram. De quando em vez era sobrevoada por um helicóptero de endinheirado visitante, quando o mesmo mantinha negócios com o prefeito de da época. Negócios tidos como maracutaias, levantando especulações e suspeitas da parte dos adversários. Nunca apuradas e que, portanto, deram em nada.

Gonçalópolis dispõe de uma emissora de rádio cuja grade conta, entre outros, com transmissões de missas e ave-marias e programas de conteúdo direcionado. Nos anos 90, após longa demanda, a Igreja conseguiu reaver a direção da emissora, que se encontrava em poder um grupo que dela se servia em proveito próprio. Passou-se o tempo, a direção maior voltou às suas origens, mas a emissora em si, não mudou. Mudaram apenas os que dela se valem.

Coisas de Gonçalópolis onde, na quase regra nacional, a ética e os bons princípios parecem ter sido jogados para debaixo do tapete. Onde os que se envolvem na política são capazes de vender suas almas ao diabo por duzentos votos. Onde repórteres, que se aventuram à condição de comentaristas, são capazes de aceitar, como presente, uma motocicleta oferecida pelo gestor da Comuna.

Que condições teriam os primeiros de se posicionarem contra os garantidores de seus votos? Que independência os segundos, de fazer comentários outros, se não elogios, ao prefeito?

Em Gonçalópolis, por serem os programas radiofônicos políticos terceirizados, mais vale a força da grana. Na mídia não há lugar para opiniões que não rezem pela cartilha dos patrocinadores indiretos. Ou compram um horário, ou ficam fora da mídia. E quando é aberto algum espaço, via ocasionais entrevistas gravadas, o “comentarista”, dispondo de todo o tempo do mundo, cuida de neutralizar, às vezes até achincalhando, as declarações dos entrevistados, transformando-as em gancho para proselitismo em favor dos que custeiam os programas e dos respectivos pré-candidatos às próximas eleições.

Os gonçalopolitanos sem acesso pleno à mídia radiofônica, não têm sequer o direito de informar a população, via carros de som. Logo após, num de tais programas são chamados por um dos membros do tríplice poder reinante, de “caras de pau” e seu partido político é classificado de forma pejorativa como “determinada facção”.

Coisas de Gonçalópolis onde parece não ser benquista a decantada liberdade de imprensa. Onde a rádio católica não mostra à população a importância do trabalho social desenvolvido pela própria Igreja em favor da sociedade. Trabalho este de uma dimensão admirável seja através dos Encontros de Casais com Cristo, seja através das diversas Pastorais, seja no campo da recuperação de dependentes químicos. A emissora deixa de potencializar tal trabalho, usando-o como poderosa ferramenta indicativa dos caminhos a serem trilhados para se atingir uma transformação social, em favor dos mais necessitados. As pregações dominicais não bastam.

Gonçalópolis tem coisas que até Deus duvida. Houve tempo, não muito distante, no qual os veículos prestadores de serviços à saúde pública, alugados, eram plotados com sorridentes fotos de um médico benfeitor. Dizem as más-línguas do lugar, que as receitas prescritas pelo citado esculápio, tinham também impressa sua foto. Recuso-me a acreditar que isto haja acontecido. A adotar-se tal inusitada forma de difusão de imagem, melhor seria que em lugar de receitas, que só servem a doentes, se recorresse ao papel higiênico. Afinal, este todo mundo usa.

Na imaginária Gonçalópolis as justificativas para os requerimentos dos edis, dirigidas ao Executivo, nunca se amparam em dados técnicos ou estatísticos, nem em um mínimo de estudo formal à luz do Orçamento Municipal. Na quase totalidade dos casos, se contentam em dizer que visam atender pedidos da população. E mais. Em Gonçalópolis reina uma espécie de silencioso acordo entre os vereadores, segundo o qual os mesmos, não costumam questionar as justezas das demandas de seus pares. Aprovam-nas sempre. Numa unanimidade que às vezes cheira a descaso, desinteresse ou temor de terem questionadas, em represália, suas eventuais solicitações futuras. Em Gonçalópolis a Câmara não se detém sobre a execução do Orçamento Municipal, nem publicamente o discute. Se o faz deve ser a portas fechadas. Também pudera! Os poucos vereadores que, raramente, se dispõem a examinar as contas da Comuna, não têm sequer o direito de tirar cópia xerox ou fotográfica da papelada, quando em visita ao Tribunal de Contas dos Municípios. Muito menos de se fazerem acompanhar por um assessor afeito à leitura de documentos contábeis. Parece piada, mas não é. Portanto, se o vereador não for contador ou técnico no tema – coisa que não é obrigado a ser – ante tantas limitações, é simplesmente levado a deixar de exercer seu papel fiscalizador. Fiscalização que, no fundo, parece não interessar a ninguém.

Gonçalópolis é uma das muitas cidades onde prefeitos reinam, onde prefeitos com contas rejeitadas podem governar sob liminares judiciais, mantidas à custa de altos honorários advocatícios pagos com o dinheiro dos cidadãos.

Lá, mesmo eventuais escancarados escândalos na administração municipal, não podem ser perfeitamente controlados. Houve o caso de um gestor público que, poucos dias de governo, pagou mais de R$ 100 mil a título de combustíveis. Deu em nada.

Em Gonçalópolis determinado prefeito faz um quiosque numa praça (os prefeitos gonçalopolitanos adoram praças) e o outro, que lhe sucede, desmancha a obra. No mesmo local, constrói a mesma coisa, apenas com distinto molde arquitetônico. E, tudo bem. Outro prefeito faz uma praça nova, com fonte-lago luminosa. O que lhe sucede, faz da fonte-lago um túmulo, entulhando-a e plantando flores no local. E, tudo bem. E o bom-senso, o velho bom-senso do protesto, que deve nortear as pessoas em geral, em especial as que são eleitas para representá-las, fica amordaçado. Por que reclamar se, a verdade deve ser dita, os representantes eleitos “dependem” dos prefeitos para terem suas solicitações atendidas? Tais submissões, visão caolha e falta de compromisso, enfraquecem a democracia, induzindo a um populismo centralizado nos chefes do Poder Executivo que tudo resolvem, tudo decidem, pouco delegam. Agem domesticamente, como se a prefeitura fosse suas próprias casas.

Acho até que, em Gonçalópolis, os vereadores ganham pouco. Valor que não chega a sete salários mínimos para, afora participarem das reuniões semanais, cumprirem seus papéis de legislar, fiscalizar e propor políticas públicas. Se, de fato, cumprissem integralmente tais papéis, até aí estaria tudo bem. Acontece que o bicho pega quando os vereadores têm que se virar, que nem bolacha em boca de velho, para satisfazer os inacabáveis pedidos da população gonçalopolitana acostumada a receber favores individuais dos políticos o tempo inteiro. Culpa deles mesmos que, na maioria dos casos, praticam campanhas eleitorais deformadas. É um nunca acabar de rodadas de cervejas, medicamentos, rifas, transporte de doentes (acreditem, eu disse transporte de doentes), presentes de aniversários e casamentos, gás de cozinha, contas de água e energia elétrica, festas do dia das crianças, dos pais, das mães, um rosário sem fim para o qual, haja dinheiro!

Assim são a vida e a democracia de Gonçalópolis. A subserviência mantida à custa do dinheiro dos contribuintes. Atrever-se conta o sistema, quem há de?

Momentos há em que penso bom seria se o nome da minha cidade de São Gonçalo dos Campos fosse mudado para Gonçalópolis. Depois, dispenso o pensar.

Ai de nós fôssemos gonçalopolitanos. Ainda bem que somos são-gonçalenses.

Um comentário:

Anônimo disse...

P A R A B É N S amigo Hugo! Por descrever fatos verídicos que aconteciam/acontecem em uma cidade chamada Gonçalópolis, cujo povo hospitaleiro e pacato, vivia e vive sofrendo nas mãos de maus gestores e que pouco assunto dão ao desenvolvimento desse belo Município.
Continue nos contando histórias verídicas dessa fictícia cidade e seus gestores fictícios para a população e reais/REAIS para eles mesmos.
Um Sãogonçalense apaixonado e que hoje vive longo, porem, sempre, está perto!

Luiz Trinchão
São Desidério (Oeste da Bahia)
luiztrinchao@terra.com.br