segunda-feira, 18 de maio de 2009

FM 304 - Voltando a Itapema

Neste ano, com a regularidade dos últimos verões, fui passar dias em Itapema, refúgio sossegado ao fundo da Bahia de Todos os Santos e onde a sanha imobiliária ainda não se fez presente. Ali, há mais de meio século, funcionaram uma salina e uma usina de processamento de óleo de dendê. Aquela se extinguiu e, agora, seus tanques são usados por uma empresa dedicada à maricultura (criatório de camarões). Quanto à usina, abandonada, converteu-se em monumento ao ferro-velho, vivo atestado de como tudo na vida tem começo, meio e fim. Houve também, tempos após, uma empresa de moagem de talco que “não deu certo” e, segundo atestam antigos moradores, “fechou as portas e ficou devendo até direitos trabalhistas”.
Quando do auge da salina e da usina, muitos sertanejos migraram para aquelas terras, em busca de trabalho, então farto quanto fartas eram as águas da baía. Abundavam no manguezal característico daquela orla, siris e caranguejos. Nada mais natural, portanto, que ao mar se dedicassem os que, pelo insucesso da atividade salineira e dendezeira, não houvessem partido para outras paragens.
Itapema de então, formada por menos de oitenta casas simples, telhados de palha, converteu-se em vila de pescadores.
Pertencente ao município de Santo Amaro da Purificação – terra de Caetano – é buscada nos verões por moradores de tal cidade, bem como por outros, de municípios próximos, caso São Gonçalo dos Campos, onde vivo. A falta de áreas para novas construções tem valorizado as casas existentes, que ora não chegam a totalizar cento e cinquenta. Tirante o Bar de Renato e um restaurante de frutos do mar que, para variar, chama-se Itapema, nada há em termos de comodidades urbanas. Não há padaria e açougue, nem supermercado, farmácia nem pensar, nem pensões ou hospedarias.
Vale, porém anotar que a uns dois quilômetros da vila há um resort, de nome Caieiro, com piscina, bom serviço e seus módulos de hospedagem tipo “choupanas”. Local agradabilíssimo e onde vale a pena passar uns dias.
Peixes no veraneio são raros. Os frutos da pesca são disputados, corpo a corpo, por compradores de hotéis existentes em outras praias próximas, como a de Cabuçu, para onde meia Feira de Santana se desloca nos tempos do estio.
Para crianças, idosos e quem busca paz com simplicidade, Itapema é perfeita. Exige, é claro, certo desprendimento e desapego às comodidades dos tempos atuais. Um mínimo de programação para o abastecimento da casa, se faz necessário. Idas a Saubara (pequena cidade muito próxima) ou a Santo Amaro, permitem acesso àquilo que se faz necessário a uma sobrevivência sem luxos.
A rua principal e única - que quase é um largo - com suas poucas variantes, continua tão singela quanto no passado. Sem calçamento. A água potável é de boa qualidade. Levíssima. O melhor uísque que você encontra, se não levar o seu, é o Teacher´s servido em copos de vidro que um dia foram de extrato de tomates. Gelo? Produza o seu, caso contrário...
Em frente ao Bar de Renato duas placas, uma na mangueira, outra na amendoeira, avisam, respeitando a grafia original: “Amigos, favor não ligar o som alto”. À sombra de tais árvores Renato costuma espalhar suas rústicas mesas de madeira e bancos de um azul claro desmaiado, à espera da clientela, em geral, velha conhecida.
Sossego paradisíaco - no Paraíso tudo só era natureza - tem sido um lugar onde tenho desfrutado os melhores charutos de minha vida. Ali ninguém reclama, nem franze o cenho. Volta e meia alguém se aproxima para saber a procedência de meu inseparável companheiro, irmão de fé, camarada, degustado, de cabo a rabo, ao tilintar do gelo que se desfaz em água, amaciando meu beber predileto.
Os banhos de mar são regulados pelo fluxo das marés.
Não vá a Itapema se Você quer ondas para surfar. Vá se Você estiver em busca de um raso lago de águas salgadas, quando da maré alta. Na maré baixa, se conforme a desfrutar a vasta marinha a perder de vista, a ler seus livros selecionados para as férias, a apreciar a vida do manguezal ou a dar saudáveis caminhadas, desfrutando o sol – de chapéu e protetor solar –, encarando a brisa e ouvindo o chap-chap de seus próprios passos contra as marolas da babugem do mar.
De resto é deixar-se ficar ao doce nada fazer, o tal ócio criativo. Meu caso nesse momento em que, charuto em punho, mentalmente volto à Itapema.

7 comentários:

Vavy Pacheco Borges disse...

Hugo

Vc descreve tão bem que dá vontade de passar uns dias nesse recanto baiano perdido, deixando a selva urbana de Sampa...Obrigada

O Ruy Guerra adorou a caixa e os charutos...

Vavy Pacheco BOrges
vavypb@gmail.com

Carlos Henrique Tonon Ximenes de Melo disse...

Grande Hugo,

Caminhamos juntos, fazendo o tal chap-chap...
Atmosfera bucólica, ainda pura, ainda melhor com Puros...
Abraço,
Ximenes

Luiz Trinchão disse...

Caro amigo Hugo

Lendo sua crônica e que crônica! Revivi belos e prazerosos momentos entre a ponta do Araripe de Baixo, Bom Jesus dos Pobres, Cabuçu a Itapema.
Por ter caminhado por entre as marolas daquele bucólico mar, localizado ao fundo da Baia de Todos os Santos, entendo que: graças a Todos os Santos é que esses rincões se transformam em um paraíso dos amantes da natureza (apesar dos burburinhos nos fins de semana), ainda vale à pena adentrar as matas infestadas de dendezeiros (Elais guineensis), orquídeas (Sobralia sp e Cattleya aclandea) e uma infinidade de aves, algumas com certa raridade, onde se destaca o curió (Sporophila angolensis) e alguns mamíferos que conseguiram escapar da caça predatória, como a paca (Agouti paca) e a cotia (Dasyprocta azarae). Sem falar das memoráveis pescarias de siris (Callinectes sp), durante o dia e consequentemente do siri mole, a noite de lua nova ou cheia!
Meu amigo, obrigado por rememorar bons momentos e que Deus volte seus olhos para todos os seus entes queridos, pois sei que desta maneira, ELE o fará feliz!
Um grande abraço para você, familiares e extensivos aos meus amigos e conterrâneos sangonsalenses.

Luiz Trinchão
Tel.: 77 8104-9210
São Desidério (Oeste da Bahia) BA

Andréa Guanais disse...

Oi Hugo!

Quanto tempo não falo com vc...Gostei da Itapema, gosto de descobrir lugares para passar o verão, parece um bom destino esse! Vc precisa conhecer a Chapada( se já não conhece) é muito bonito, tranquilo e relaxante, banhos de cachoeiras, caminhadas. Eu estou na fase da malhação e saúde( tô ficando velhinha) e para isso Lençóis é perfeito, diferente de Itapema, na cidade tem bares e restaurantes da melhor qualidade, comida italiana, mexicana... e regional, é claro! As vezes fugimos da "civilização" e vamos para lugares proximos sem infraestrutura, estamos construindo uma casa em uma localidade desta que não tem luz, tem uma piscina natural de 150 mt e uma bela vista para a serra, só para fugir da rotina tão boa de Lençóis. Descobri que ficar sem energia eletrica repõe as energias naturais do corpo.A minha filha está crescendo no paraíso, é muito bom para as crianças aqui. Seus filhos menores têm quantos anos? Outa coisa que conta á favor da região e´o isolamento dos grandes centros, e consequentemente uma menor violência. Pois é ainda bem que temos nossos paraísos!!!

Andréa
anguabe151@yahoo.com.br

Charutos São Salvador disse...

Amigo Hugo,

Quanta sensibilidade e sabedoria, compartilhada com nós, leitores e amigos de um puro.
Ler suas crônicas nos proporciona um momento de relaxamento nessa vida tão corrida e incerta em época de cruzada contra os derivados do tabaco Quando nos dificultam a produção desse complemento de relaxamento e prazer.
Ainda não conheço Itapema, mesmo residindo tão perto. Mas lendo sua crônica e degustando um charuto Corona São Salvador capa escura, igual ao que degustamos quando da sua visita, senti a brisa do vento a espalhar a sua fumaça doce, atraindo as arapuás para dividir comigo momentos de grande prazer.

Pedro Rodrigues
Manufatura de Charutos São Salvador
e-mail: charutosaosalvador@gmail.com

Jose Antonio Pedeira Torres disse...

Meu estimado Amigo HUGO,
sou e serei sempre uma pessoa que ainda trago no meu coração recordações que cravaram nas minhas entranhas - uma marca indescritivel - ter sido criado em ITAPEMA - A VENTUROSA - assim dizia o nosso saudoso amigo FERNANDO DA COSTA PENNA.....o dos charutos "COSTA PENNA"!!!!...em versos sobre esta dadiva de DEUS!!!!(mandarei em breve para voce esta poesia maravilhosa).... e vejo nos dias atuais, a queda de tudo que varias gerações por lá implantaram,a se transformar em -!ferro velho"....! triste ironia, como foram as inesqueciveis Usinas de Açucar.....!!! Santo Amaro da Purificação era um celeiro de grandes empresas....mas o passar dos anos e as imensas transposições economicas e sociais - levram a esta situação...ao se buscar fazer algo na conjuntura atual em temos reais de pequena e media empresa....é uma investida no vacuo das dificuldades....das imensas leis inventadas para dificultar e não melhorar,progredir ou mesmi implantar novos empreendimentos.
Mas esta é uma "falação" demorada,e complexa!!!
Falemos da sua capacidade gigantesca de escrever e trazer para todos nós que lemos a suas cronicas tão queridas, as rememorações de lugares que ainda fazem nossos corações brotarem de esperanças e alegrias.
Meus sinceros parabens, por escrever sobre a TERRA DE Da.MAROCAS, do CEL.JOSE ANTONIO TORRES, e do nosso saudaso amigo e meu PAI - LUIS PEDREIRA TORRES -.
Que de si o melhor doaram de suas vidas por este torrão chamafo ITAPEMA - em tupi guarani- "pedra rasa".....
Um fraterno abraço deste seu adimrador e amigo,
Jose Antonio Pedreira Torres.

Jose Antonio Pedreira Torres disse...

Meu Amigo Hugo,
voltei a ler com todo cuidado a sua cronica Voltei a Itapema!!!....e nela vi asssuntos que não poderia deixar de dar uma satisfação e ate mesmo para que não torne o esforço e a dedicação de varias vidas...em monumentos mortos.....como o caso da Salinas São Jose - hoje Bahia Pesaca S/A - transformada que foi em criatorio de camarões - assunto que foi pioneira a implantação deste cultivo, com a chegada de tecnologia trazida da Indonesia por Dr. Luis Torres.Sem nenhum onus para o Governo quer seja municipal,estadual ou federal. E não houve nenhum apoio ou incentivo para ampliar - acontecendo o peso insustentavel dos impostos e tantas outras implicações "burrocraticas"!!!.
Voltando ao "ferro velho" da Fabrica de Oleo de Dende, a primeira do Brasil, em termos de mecanização e operação continua, cuja satisfação tive em ajudar a construir, tambem sem nenhuma "ajuda" ou participação de financiamentos "abençoados"....pois o nosso Dr.Luis Torres, apesar de suas inumeras condições nunca solicitou nada para si ou para os seus, e desta forma sempre trabalhou com recursos proprios e com suas proprias forças. As imensas e insuperaveis condições de custos operacionais de frete e a carga tributaria que reacaia sobre esta pequena fabrica, a obrigaram a fechar as portas....como muitas e muitas tantas nesta Bahia de guerra!!!....mesmo assim estamos a manter as maquinas bastante avançadas - até os dias atuais lá - pois podera ainda haver uma luz no fundo deste tunel que estamos a vivenciar.....e ela podera voltar a funcionar - em local diferente é claro....tendo vista a camolaha que foi desencadeada ha anos atras para "erradicar o dendezal",por trazer os morgegos nas suas folhagens!!!! assim imaginavam os tecnicos do Mins.da Agricultura...!!!!!
E - agora para poder finalizar estas minhas palavras,com o fito unico de dar-lhe um conhecimento de que muitas coisas acontecem e se transformam e caos,em decorrencia do "status quo", dos ambientes que se encontram...dai a Empresa de TALCO, a primeira tambem do Estado da Bahia, que teve o privilegio de ser a primeura exportadora de talco moido do Brasil, fundamos a mesma, com todos os "caprichosos" defeitos de logistica entre os jazimentos e a saida para o porto de Salvador. Mesmo assim não houve condições de sustentar a mesma em funcinamento, ante os inumeros assaltos e destruições de seus equipamentos pelos proprios moradores da região!!!! e assim saumos dai de ITAPEMA.....sem condições de reerguer mais nada.
E para culminar, esta ardua "caminhada"....de percalços economicos -financeiros, perdi para o MLST - uma fazenda de 344 hectares.....!!!! -
Desta forma, buscando dar-lhe este meu depoimento, e justificar que tudo que lá em ITAPEMA fizemos, foi com um unico intuito de levar o progresso e as novas chances de crescimento, que infelizmente não vingaram. As posições de debitos que ainda perduram,- se é que podemos dizer assim - foram frutos desta destruição de uma vida honrada de trabalho, e de gerações em esforço conjunto para ainda se poder usufruir desta "madornenta e calma" praia de ITAPEMA,por tantos que a buscam para repousar.
Um forte abraço,
Jose Antonio Pedreira Torres.